Onde buscar?

“Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água para que eu não mais tenha sede, nem precise vir aqui buscá-la. Disse-lhe Jesus: Vai, chama teu marido e vem cá; ao que lhe respondeu a mulher: Não tenho marido. Replicou-lhe Jesus: Bem disseste, não tenho marido; porque cinco maridos já tiveste, e esse que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade. Senhor, disse-lhe a mulher, vejo que tu és profeta. Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.”
(Jo 4:15-24)

Parece uma constante entre todos os buscadores de Deus fixar  o lugar onde o encontrar, antes de buscá-lo. Nessa passagem  a mulher samaritana, ao perceber que se encontrava diante de um profeta, toma a oportunidade para sanar de uma vez suas dúvidas quanto ao lugar da adoração: “no monte ou no templo?”. A lógica empreendida pela mulher é simples e certamente reflete a experiência de boa parte dos cristãos. Acha-se o lugar, o grupo certo, o povo escolhido e depois ancora-se nessa certeza geográfica, depositando toda a constância espiritual no lugar, como se Deus habitasse em lugar feito por mãos humanas (At 17:24).

Essas tentativas genuinas, correspondem à expectativa humana de trazer a comunhão com Deus a um campo comum, já que as coisas espirituais são de difícil discernimento aos iniciados na carreira. Assim, na tentativa de apaziguar as dúvidas e incertezas da vida cristã, criam-se parâmetros fixos capazes de garantir o mínimo de estabilidade espiritual, a fim de que ancorada a alma, com todos os seus sentimentos e modo de pensar racional, apazigue-se a consciência.

No curso da história do cristianismo inúmeros movimentos surgiram trazendo algo revolucionário.  A reforma protestante, os irmãos morávios,  os irmãos unidos da inglaterra, o movimento petencostal, a dita restauração, são alguns exemplos dessas tentativas, tão genuinas e puras inicialmente, que inspiraram corações sequiozos por encontrar uma comunhão plena e absoluta com Deus e no entanto, todos esses movimentos perderam gradativamente a força e o vigor inícial, que fugiram, deixando para traz tão somente as formas desertas, e carentes da presença de Deus.

Todavia, não foi em um terreno sólido que Deus plantou sua vida, nem propôs uma carreira baseada em certezas plenas, e deixou isso claro ao falar à mulher samaritana “que não mais no monte, nem no templo, mas em Espírito e em verdade” (Jo 4:23). A proposta de Deus é o Espírito, palavra derivada do radical grego pneuma, que quer dizer sopro, ar ou vento, “que sopra onde quer”, que não pode ser tocado, retido ou sistematizado, mas pode ser ouvido em seus movimentos sempre inovadores (Jo 3:8).

Não resta dúvidas que todos os parâmetros estabelecidos buscavam tão somente estabilizar a comunhão com o Pai, mas o fim dos métodos é sempre a sistematização, assim, quando Deus, que é Vento, soprar em outras direções restará somente a estrutura, e da parte dos que a construiram o apego a ela. Aos que porém optarem somente pelo Espírito e desejam uma comunhão efetiva e o crescimento constante em Deus restará, quanto ao caminho em que se segue, constante incerteza, e uma fraqueza, justificada somente a carta à igreja em Filadélfia, e substituida apenas eventualmente pela suave brisa trazendo o pneuma, a doce presença, para encher os pulmões de vigor e garantir, de forma discreta, uma íntima certeza de que Deus ainda está alí, como que dando um tapinha nas costas e dizendo “segue daí que estamos aqui por perto”, e por isso prosseguimos.

 

1 response

  1. Stefano Mozart Says: Jan 23rd,2012

    “Porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens;” (Atos 17:23-24)

    Realmente, Davi. Enquanto insistirmos em prender Deus a um lugar, ou a uma forma de adoração e serviço, Ele continuará sendo apenas um desconhecido pra nós.

    Mas, se, num ato de simples fé, aceitarmos o fato de que o “lugar” é o Espírito… Ele se tornará conhecido. Aliás, grande amigo. Amigão. Com direito a ‘tapinha nas costas’, como você descreveu.

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