Nicolaísmo


Prefácio

(por Roger P. Daniel)

A maioria dos cristãos está tão acostumada a um sistema de clérigos e leigos em suas “igrejas”, que se assombram ou até se enfurecem quando este sistema é questionado. Parece-lhes muito correto que haja um pastor ou ministro que se encarregue de uma igreja; e o fato de que tudo pareça funcionar muito bem sob este regime, é usado como argumento ou como prova de sua validez.

Neste tratado, Grant examina e refuta abertamente o sistema clérigo-laicista. Demonstra com clareza, à luz das Escrituras, que esta estrutura humana é um mal que têm causado grande dano ao povo de Deus. Mesmo que tenha sido escrito há mais de 100 anos atrás, as coisas não estão melhores hoje. Animo aos irmãos a lerem esta obra com uma mente livre de preconceitos e com a Bíblia aberta. Não queremos a opinião de Grant nem a minha nem a de ninguém, senão o que Deus pensa a respeito. Rogo, pois, que se faça uso do princípio bíblico que diz: “julgai todas as coisas, retende o que é bom” (1.ª Tessalonicenses 5:21).

Quero mencionar um ponto ao qual Grant não havia mencionado, talvez porque em seus dias não era tão comum como hoje. Refiro-me ao uso do título de Reverendo em relação a um pregador. Uma definição dicionarizada apresenta Reverendo como um “epíteto de respeito aplicado ou anteposto ao nome de um clérigo. Digno de ser reverenciado; que merece reverencia” (Dicionário Webster;). O termo aparece assim vertido em algumas versões da Bíblia (e. g. King James e Reina Valera) no Salmo 111:9: “Santo e reverendo é seu nome”, aplicado ao nome de Deus, pelo que ninguém deveria aplicá-lo a si mesmo.

À medida em que ler este escrito, se dará conta, sem requerer muita imaginação, do porquê ocorreram estas coisas. Quando os homens começaram a ocupar os postos de clérigos (isto é, uma classe dirigente que estava por cima do resto das pessoas, dos laicos), almejaram um título que mostrava o respeito que supunham que lhes era devido. Um desses títulos foi o de “reverendo”, que soava muito respeitoso. Seguindo esta mesma direção, muitos “ministros” se sentem orgulhosos de exibir as iniciais que indiquem algum grau acadêmico, tal como “Doutor em Teologia”, etc. à continuação de seus nomes, para assinalar assim que são algo especial, que têm alguma capacidade especial transmitida por escolas ou instituições religiosas humanas, ao invés de estarem plenamente capacitados pelo chamado e o ensinamento de Deus.

Com as observações precedentes, recomendo esta revisão da obra do Sr. Grant a cada leitor, rogando que ajude a mostrar a cada verdadeiro filho de Deus seu grande privilégio de ter acesso direto a Deus, e pedindo também que exponha à nudez o perverso sistema que tem chegado a ser tão comum no cristianismo atual. 

 

“Tens, contudo, a teu favor que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio (…) Outrossim, também tu tens os que da mesma forma sustentam a doutrina dos nicolaítas.” (Apocalipse 2:6, 15, nas epístolas do Senhor dirigidas às igrejas de Éfeso e de Pérgamo).

 

NICOLAISMO

Surgimento e crescimento do clero

F. W. Grant (1834 – 1902)

Nas cartas proféticas dirigidas às sete igrejas da Ásia, em Apocalipse 2 e 3 (as quais nos dão a história espiritual da Igreja desde o tempo dos apóstolos até a vinda do Senhor), a carta à igreja de Pérgamo segue após as cartas à igreja de Éfeso e a igreja de Esmirna. Pérgamo marca a terceira etapa do desvio da verdade por parte da Igreja e é historicamente fácil de reconhecer. Aplica-se ao tempo no qual, logo após haver atravessado as perseguições pagãs (Esmirna), a Igreja foi publicamente reconhecida e estabelecida no mundo. O tema principal da carta a Pérgamo é “a Igreja que mora onde está o trono de Satanás”. A palavra correta é ‘trono’, e não ‘assento’ (como traz a versão RV). Satanás tem seu trono no mundo, não no inferno, o qual será sua prisão e no qual nunca reinará. Ele é chamado “o príncipe deste mundo” em João 12:31, 14:30 e 16:11.

Portanto, morar onde está o trono de Satanás é estabelecer-se no mundo, sob o governo e a proteção de Satanás. Isto é o que as pessoas chamam a instituição da Igreja! Teve lugar sob o imperador romano Constantino, por volta do ano 320 d.C. Mesmo quando a tendência da Igreja em unir-se com o mundo vinha aumentando por algum tempo, foi então quando ela saiu fora do lugar que lhe era próprio e ingressou nos lugares da antiga idolatria pagã. As pessoas chamam isto de “triunfo do cristianismo”, mas o resultado foi que a Igreja se posicionou com tal firmeza nas coisas do mundo como nunca antes. O lugar de liderança no mundo foi dela e os princípios do mundo a invadiram rapidamente.

O nome Pérgamo indica isto. É uma palavra grega que significa casamento. O casamento da Igreja com qualquer coisa antes que Cristo venha a levá-la consigo (no arrebatamento), é infidelidade a Ele, com quem ela está desposada. Mas aqui está o matrimônio da Igreja com o mundo, o final de um relacionamento que havia começado muito tempo antes.

Antes do tempo deste ‘casamento’, uma coisa importante se menciona na primeira carta, à igreja de Éfeso, ainda que só de maneira incidental, pois não caracteriza a condição espiritual da assembléia de Éfeso. O Senhor lhes diz: “Tens, contudo, a teu favor que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio” (Ap 2:6). Entretanto, em Pérgamo temos mais que as obras dos nicolaítas; temos uma doutrina, e a Igreja, ao invés de recusá-la, a sustentava. Em seu tempo, os santos de Éfeso odiavam as obras dos nicolaítas, mas em Pérgamo a permitiram e não condenaram aqueles que sustentavam a doutrina.

Como temos de interpretar esses versículos? Diria que o termo ‘nicolaítas’ é a única ferramenta que temos para nos ajudar. Muitos têm realizado grandes esforços para tentar demonstrar que existiu uma seita dos nicolaítas —um grupo religioso específico assim denominado— mas a maioria dos autores concordam que essa hipótese é muito improvável. Mesmo se existiu tal seita, é difícil entender por que deveria haver nestas epístolas proféticas semelhante menção repetida e enfática a uma seita obscura, acerca da qual a história nos possa dizer muito pouco ou nada. O Senhor denuncia solene e poderosamente: “a qual eu também odeio”. Ela deve ser especialmente importante para Ele, e também deve ser significativa na historia da Igreja, por pouco compreendida que possa ser. Além disso, a Escritura não nos encaminha à história da Igreja nem a nenhuma história para que interpretemos seus significados. A Palavra de Deus é sua própria intérprete, através do Espírito Santo, e não temos que buscar outras fontes para descobrir o que está ali. Do contrário, a interpretação da Escritura dependeria de homens eruditos que buscam respostas em favor daqueles que não têm os mesmos recursos ou atributos. Tais ‘respostas’  haveriam de ser, portanto, forçosamente  aceitas tão somente sobre a base da autoridade desses ‘eruditos’.

Por toda a Escritura, o significado dos nomes é importante. E o significado de nicolaíta é chamativo e instrutivo. Note-se, entretanto, que para aqueles que falavam grego (língua em que a carta foi originalmente escrita), o significado lhes era muito claro. Significa subjugador do povo. A última parte da palavra – laos – é a palavra grega que designa o ‘povo’ e da qual deriva nosso termo de uso comum ‘leigos’, ou ‘laicos’. Assim, pois, os nicolaítas foram pessoas que estiveram submetendo ou reprimindo aos laicos —a massa do povo cristão— para assenhorearem-se indevidamente sobre eles.

O que faz com que isto seja mais claro ainda é que em Pérgamo temos também aqueles que sustentavam a doutrina de Balaão: um nome cuja semelhança, no tocante a significado, tem sido observada com freqüência. Balaão é uma palavra hebraica que significa ‘destruidor do povo’, um significado muito importante em vista de sua história. Balaão “ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição” (Ap 2:14). Com esse propósito instigou Israel a misturar-se com as nações, das quais Deus os havia separado com tanto cuidado.

A perda dessa separação, tão necessária, significou a destruição de Israel, que até então prevalecera. De igual modo, a Igreja é chamada a sair para fora do mundo, e é sumamente fácil aplicar o tipo divino neste caso. Assim, a estreita relação destes dois nomes (Balaão e nicolaíta), ajuda a confirmar o significado anterior apresentada para ‘nicolaítas’.

Observemos o desenvolvimento do nicolaísmo. A princípio (e só estou traduzindo a palavra), certas pessoas adotaram uma posição de superioridade sobre o povo. Suas obras demonstraram o que eram. Ainda não há doutrina na carta à igreja de Éfeso, mas uma doutrina, ou ensinamento, se estabeleceu já em Pérgamo. Ali o ‘lugar de liderança’ passou a ser entendido como sendo deles, como por direito. A doutrina  —o ensinamento sobre isto—  é aceita ao menos por alguns, e a Igreja se vê indiferente ante essa situação.

O que se passou entre ‘as obras dos nicolaítas’, odiadas em Éfeso, e ‘a doutrina dos nicolaítas’, sustentada em Pérgamo? Surgiu um partido, em Esmirna, ao qual o Senhor se refere como daqueles que diziam que eram judeus e não o eram, mas que eram a “sinagoga de Satanás”. Representavam o esforço muito bem sucedido de Satanás de judaizar a Igreja, de fazer com que a Igreja fosse como o judaísmo do Antigo Testamento.

O judaísmo foi um sistema probatório: um sistema de prova, para averiguar se o homem podia produzir uma justiça tal que agradasse a Deus. O resultado da prova foi que Deus disse “Não há justo, nem um sequer” (Rm 3:10). Só então Deus pôde mostrar sua graça. Enquanto estivesse submetendo o homem à prova, Deus não podia abrir o caminho à Sua própria presença, e justificar, assim, ao pecador. Ele teve que manter afastado o homem, enquanto perdurava aquela prova, para que sobre aquele fundamento (as obras dos homens) ninguém pudesse ver a Deus e viver. Entretanto, a natureza essencial do cristianismo é que todos são bem vindos. Há uma porta aberta e um acesso direto a Deus. O sangue de Cristo habilita a cada pecador a aproximar-se de Deus, e a encontrar justificação por Ele. Ver a Deus em Cristo é viver, não morrer. Por isso, aqueles que O têm encontrado pelo caminho do sangue que fala de paz, são considerados aptos e ordenados para tomar um lugar distinto de todos os demais. Porque agora eles são Seus, são filhos do Pai e membros de Cristo, de Seu corpo. Essa é a verdadeira Igreja, um corpo chamado a sair para fora, separado do mundo. Leia 1.ª Coríntios 12 e Efésios 1:22-23.

O judaísmo, por outro lado, incluiu apenas aos judeus. E, mesmo entre eles, ninguém podia tomar um lugar com Deus. Por conseguinte, a separação entre judeus piedosos e não piedosos, era impossível. O judaísmo foi uma necessidade prevista por Deus. Mas instaurar novamente o judaísmo, depois que Deus lhe houvesse posto fim, não fazia sentido. Pelo contrário, era o exitoso trabalho de Satanás contra o evangelho de Deus e Sua Igreja. Deus denominou a estes judaizantes como a “sinagoga de Satanás”.

Agora podemos entender de que forma a sinagoga judaica foi, na prática, estabelecida novamente: quando o verdadeiro caráter da Igreja se perdeu de vista; quando o significado de ‘membro da Igreja’ foi reduzido a pessoas batizadas com água (no lugar de com o Espírito Santo); quando o batismo com água e com o Espírito Santo foram considerados a mesma coisa (e isto chegou a ser aceito como doutrina prematuramente na história da igreja). Foi cada vez mais se tornando difícil falar de cristãos que tivessem se reconciliado, ou feito paz com Deus ou ainda que fossem salvos. Aqueles ‘cristãos’ esperavam, e os sacramentos e ordenanças chegaram a ser entrepostos como meios de graça para assegurar, no máximo, uma salvação muito distante.

Vejamos como isto contribuiu à doutrina dos nicolaítas. À medida que a Igreja se tornou uma ‘sinagoga’, os cristãos se tornaram, na prática, o que foram os judeus da antigüidade, quando não havia, de forma alguma, qualquer aproximação real a Deus. Mesmo o Sumo Sacerdote, quem (como tipo de Cristo) entrava no Lugar Santíssimo uma vez ao ano, tinha que cobrir o propiciatório com uma nuvem de incenso para não morrer. Os sacerdotes comuns só podiam entrar no Lugar Santo, e as pessoas nem sequer podiam entrar ali. Tudo isso estava expressamente designado como um testemunho de sua condição espiritual. Era a conseqüência de seu fracasso espiritual, porquanto o pacto oferecido por Deus a eles em Êxodo 19 foi este: “Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa” (v. 5, 6).

Assim, pois, a Israel se ofereceu, condicionalmente, uma possibilidade de acesso íntimo a Deus. Todos eles seriam sacerdotes. Mas isto foi revogado porquanto quebraram o pacto. Então, os membros de uma família especial (Levi) foram postos como sacerdotes, e o resto do povo foi colocado em um segundo plano.

Assim, um sacerdócio separado e intermediário caracterizou ao judaísmo. Não havia nenhum labor missionário; nenhuma saída ao mundo; nenhuma provisão, nenhuma ordem para pregar a Lei em absoluto. Com efeito –  que podiam dizer? Que Deus estava em uma densa obscuridade e que ninguém podia ver-lhe e viver. Essas não eram boas novas. Assim, a ausência do evangelista e a presença do sacerdócio intermediário contavam a mesma triste história.

Tal era o judaísmo. Quão diferente é o cristianismo! Uma vez que a morte de Cristo rasgou o véu (entre o lugar santo e o lugar santíssimo, indicando um acesso a Deus para todos os sacerdotes) (Mt 27:51), foi aberto o caminho até a presença de Deus. Então, de imediato, houve um Evangelho, e a nova ordem foi: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16:15). Deus agora está fazendo-se conhecer ao mundo inteiro.

A intermediação sacerdotal terminou, dado que todos os cristãos agora são sacerdotes para Deus. O que foi oferecido a Israel condicionalmente, é agora um ato incondicional e consumado no cristianismo. Nós somos um reino de sacerdotes; e é Pedro (ordenado pelos homens como o cabeça do ritualismo) quem anuncia as duas coisas que destroem por completo o ritualismo. Primeiro, nos diz que somos “nascidos de novo”, não por batismo, senão “pela Palavra de Deus que vive e permanece para sempre”. Segundo, em lugar de uma casta de sacerdotes, ele diz a todos os cristãos: “ambém vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (1.ª Pe 1:23; 2:5). Hoje, nosso louvor e ação de graças, e ainda nossas vidas e nossos corpos, tudo deve ser sacrifício espiritual para Deus (Hb 13:15, 16; Rm 12:1). Esta deve ser a verdadeira obra sacerdotal de nossa parte, e só deste modo se conseguirá que nossas vidas adquiram seu próprio caráter. Estes sacrifícios são o serviço de oferendas de gratidão daqueles capacitados para aproximarem-se a Deus.

No judaísmo —permita-me repetir— ninguém se aproximava de Deus. Assim, pois, sempre que se encontra uma casta sacerdotal, isto significa a mesma coisa, ou seja, para a grande massa de pessoas, Deus está fora, distante e obscuro.

 

O SIGNIFICADO DE UM CLERO

Vamos ver agora o que significa um clero. É a palavra que distingue uma classe especial de pessoas, distinta dos ‘laicos’ por haver se entregado a coisas espirituais e por ter um lugar de privilégio em relação a estas coisas sagradas, que os laicos não têm.  Atualmente, esta classe especial está sendo atacada por duas razões, ainda que esteja longe de desaparecer. Primeiro Deus está projetando luz com respeito a este assunto. A segunda razão é puramente humana: a época é democrática, e os privilégios de classes estão desaparecendo.

Mas, que significado tem esta classe especial? Visto que é distinta dos laicos, e goza de privilégios que estes não têm, significa um aberto e real nicolaísmo, a menos que a Escritura avalize suas pretensões, visto que os laicos têm sido submetidos a eles. Mas a Escritura não utiliza tais termos e distinções de classe, nem os aplica a nossos tempos do Novo Testamento. Estes termos, ‘clérigo’ e ‘leigo’, são pura invenção humana e surgiram depois que o Novo Testamento fora completado, ainda que em realidade o conceito que está por trás destes termos foi de fato herdado do judaísmo do Antigo Testamento.

Devemos ver o importante principio que está em jogo para entender por que o Senhor diz que odeia as obras dos nicolaítas. Nós também, se estamos em comunhão com nosso Senhor, devemos odiar o que Ele odeia.

Eu não estou falando de pessoas (que Deus não me permita esse mal!), senão de uma coisa. Hoje estamos ao final de uma longa série de afastamentos de Deus. Como consequência, há uma exacerbação de muitas coisas que têm chegado até nós como “tradições dos anciãos”, vinculadas com homens a quem honramos e amamos, e, admitindo sua autoridade, temos aceitado estas tradições sem sequer jamais haver analisado a questão por nossa própria conta e à luz da Palavra de Deus.

Reconhecemos sinceramente a muitos destes homens como verdadeiros servos de Deus, mas ocupando uma posição errônea. Eu me refiro à posição: à coisa que o Senhor odeia. Deus não diz: “as pessoas que eu odeio”. Mesmo naqueles dias, esta classe de mal não era hereditário como o é agora, e aqueles que espalhavam o mal tinham sua própria responsabilidade. Nós, não obstante, não deveríamos envergonhar-nos nem temer estar onde o Senhor está. De fato, não podemos estar com Ele neste assunto, a menos que nós também odiemos as obras dos nicolaítas.

Devemos odiar esta coisa porque significa uma casta ou classe espiritual  —um grupo de pessoas que oficialmente tem o direito à direção em coisas espirituais, uma proximidade a Deus derivada de uma posição oficial, e não de poder espiritual. Isto é realmente um ressurgimento, sob outros nomes, e com modificações, do sacerdócio intermediário do judaísmo. Este é o significado do clero. Portanto, o resto dos cristãos são só laicos, os leigos, pagantes, em maior ou menor medida, à antiga distancia de Deus, à qual a cruz pôs fim.

Agora podemos ver a razão pela qual a Igreja tinha que ser judaizada antes que as obras dos nicolaítas pudessem amadurecer em uma doutrina. Sob o judaísmo, o Senhor até havia autorizado a obediência a escribas e fariseus que se sentavam na cadeira de Moisés (Mt 23:2-3); e para que este texto se aplique agora, a cadeira de Moisés tinha que ser estabelecida na Igreja cristã. Uma vez que isso aconteceu, e que a massa de cristãos fora degradada do sacerdócio do qual falou Pedro, a meros ‘membros laicos’, a doutrina dos nicolaítas foi estabelecida.

 

O MINISTÉRIO CRISTÃO

Não me interpretem mal. Eu não ponho em dúvida a instituição divina do ministério cristão, visto que o ‘ministério’ é característico do cristianismo. Apesar de eu crer que todos os verdadeiros cristãos são ministros, eu não questiono um ministério especial e distintivo da Palavra, como dado por Deus a alguns e não a todos, apesar de ser para o uso de todos. Ninguém que seja verdadeiramente ensinado por Deus pode negar que alguns cristãos tenham o ministério de evangelista, pastor ou mestre. A Escritura ensina que todo verdadeiro ministro é um dom de Cristo, que o é por Seu cuidado como Cabeça da Igreja, e que é para Seu povo, que é algum irmão que tem seu lugar dado por Deus somente e que é responsável, em seu caráter de ministro, ante Deus somente. O miserável sistema clérigo-laicista degrada o ministro de Deus desse bendito lugar e faz dele pouco mais que a manufatura e o servidor dos homens. Ao mesmo tempo em que outorga um lugar de senhorio sobre pessoas que comprazem à mente carnal (a velha natureza), este sistema restringe o homem espiritual gerando nele uma consciência artificial para com os homens (o conselho da igreja, etc.), como também obstaculiza a sua consciência para estar corretamente diante de Deus.

Permita-me estabelecer brevemente qual é a doutrina da Escritura sobre o ministério. É muito simples. A verdadeira Igreja (Assembléia) de Deus é o corpo de Cristo; todos os membros são os membros de Cristo. Nas Escrituras não há condição de membros além desta: a de membros do corpo de Cristo, ao qual pertencem todos os verdadeiros cristãos. Não muitos corpos de Cristo, senão um só corpo (Ef4:4); não muitas igrejas, senão uma só Igreja.

Há um lugar diferente para cada membro do corpo pelo único fato de que ele ou ela é um membro. Nem todos podem ser o olho, ou ouvido, etc., mas todos eles são necessários, e todos são ministros em alguma forma,  uns dos outros. Assim, pois, cada membro tem seu lugar, não só em uma determinada localidade e para o benefício de uns poucos, senão para o benefício do corpo inteiro.

Cada membro tem um dom “Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função,5 assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros,6 tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia, seja segundo a proporção da fé” (Rm 12:4-6). Leia também 1.ª Coríntios 12:7.11; Efésios 4:7 e 1.ª Pedro 4:10, que demonstram que cada cristão possui um dom.

Em 1 Coríntios 12, Paulo fala em detalhe destes dons e os chama por um nome significativo no versículo 7: “manifestações do Espírito”. Eles são dons do Espírito e, também, manifestações do Espírito. Eles se manifestam, exibem a si mesmos ali onde se encontram, onde há discernimento espiritual por parte de pessoas que estão muito próximas a Deus, em comunhão íntima com Ele. Por exemplo, tomemos o Evangelho. De onde obtém seu poder e autoridade? É de alguma aprovação do homem, ou o poder lhe é próprio e inerente? Desafortunadamente, a tentativa comum de creditar poder ao mensageiro, dilui, em vez de agregar, poder à Palavra. A Palavra de Deus deve ser recebida simplesmente por ser Sua Palavra. Ela tem a capacidade de satisfazer às necessidades do coração e da consciência pelo simples fato de ser a boa nova de Deus – o Deus que conhece perfeitamente qual é a necessidade do homem e que, em conseqüência, tem feito provisão para ele. Todo aquele que tem sentido o poder do Evangelho sabe de Quem tem vindo o poder. A obra e o testemunho do Espírito Santo na alma não necessitam nenhum testemunho do homem que os suplementem.

Mesmo a apelação do Senhor em seu próprio caso foi à verdade. Ele expressou: “Se vos digo a verdade, por que razão não me credes?” (Jo 8:46). Quando Ele falava na sinagoga judaica ou em qualquer outro lugar, era, aos olhos dos homens, só um pobre filho de carpinteiro, não acreditado por escola ou grupo de homens algum. Todo o peso da autoridade humana esteve contra Ele. Ele inclusive repudiou “o receber testemunho dos homens”. Só a Palavra de Deus deve falar por conta de Deus. “Respondeu-lhes Jesus: O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou” (7:16). E, como se aprovou a si mesma? Pelo fato de ser verdade! A verdade se fez conhecer àqueles que a buscavam. Aquele que “quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo” (v. 17). Em João 7 e 8, o Senhor lhes está dizendo: “Eu digo a verdade. A tenho trazido de Deus; e se esta é a verdade, e se procurais fazer a vontade de Deus, aprendereis a reconhecê-la como a verdade”.

Deus não manteria as pessoas na ignorância e na obscuridade se procuravam fazer Sua vontade. Deus permitiria que os corações sinceros fossem defraudados pelos muitos enganos que havia ao redor? É claro que não! Ele faz conhecer a Sua voz a todos os que lhe buscam. Assim, o Senhor diz a Pilatos: “Todo aquele que é da verdade, ouve a minha voz” (Jo 18:37). “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem”, e de novo: “mas de modo nenhum seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos” (10:27, 5).

A verdade é de uma natureza tal que a desonramos se tratamos de convalidá-la para aqueles que são verdadeiros, como se ela não fosse capaz de evidenciar a si mesma. Inclusive o próprio Deus é desonrado, como se Ele não pudesse ser suficiente para as almas, ou para o que ele mesmo tem dado.

Não, o apóstolo fala “nos recomendamos à consciência de todo homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade” (2 Co 4:2). O Senhor diz que o mundo está condenado porque “a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más” (Jo 3:19). Não havia nenhuma falta de evidência. A luz estava ali, e os homens reconheceram o seu poder para sua própria condenação, quando procuraram se afastar dela.

Da mesma maneira, no dom está a “manifestação do Espírito”, e é “concedida a cada visando um fim proveitoso” (1 Co 12:7). Pelo simples fato de que um homem o tenha, ele é responsável por usá-lo. Responsável perante Ele, que não o deu em vão. A capacidade e o título para ‘ministrar’ estão no dom, porque eu sou responsável por ajudar e servir com aquilo que tenho. Se os demais recebem ajuda, eles não necessitam perguntar se tenho autorização para ajudá-los.

Este é o caráter sensível do ministério, o serviço de amor conforme a capacidade que Deus dá: serviço mútuo de uns aos outros e para todos, sem acepção ou a exclusão de uns a outros. Cada dom é adicionado ao tesouro comum, e todos são feitos mais ricos. A benção de Deus e a manifestação do Espírito são toda a autorização requerida. Nem todos são mestres, mas se aplica exatamente o mesmo princípio. O ensinamento é, entretanto, uma das muitas divisões do serviço para Deus, serviço que é rendido por uns a outros, de acordo com a esfera de seu ministério.

Não havia acaso nenhuma classe ordenada (designada) na Igreja primitiva? Isso é uma coisa totalmente distinta. Havia duas classes de oficiais que eram regularmente designados ou ordenados. Os diáconos ou servidores tinham a seu cargo os fundos para os pobres e outros propósitos, e eram eleitos, primeiro pelos santos para este posto de confiança, e logo nomeados pelos apóstolos, fosse diretamente ou por aqueles autorizados pelos apóstolos para fazê-lo. Os presbíteros foram uma segunda classe —homens de idade, como o indica a palavra— que foram nomeados nas assembléias locais unicamente pelos apóstolos ou seus cooperadores (At 14:23; Tt 1:5) como bispos ou supervisores para estarem atentos ao estado espiritual da assembléia. Os presbíteros eram o mesmo que os bispos, como deduzimos claramente das palavras de Paulo aos presbíteros de Éfeso (At 20:17,28), quando ele lhes exorta dizendo: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue.” Aqui muitos tradutores tem deixado sem traduzir a palavra grega episcopos «latinizada para bispo» que significa supervisor, e o mesmo podemos observar em Tito 1:5, 7: “Por esta causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros, conforme te prescrevi: (…) Porque é indispensável que o bispo (supervisor) seja irrepreensível…”.


O ofício de um presbítero era vigiar ou supervisionar, e mesmo que ser “apto para ensinar” (1 Tm 3:2) fosse uma qualidade muito necessária em vista de que os erros eram já rampantes, o fato de ensinar certamente não era algo limitado àqueles que eram “maridos de uma só mulher”, “criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito”, etc. (Tt 1:6-9; 1 Tm 3:2-7). Esta foi uma prova necessária para alguém que seria presbítero (ou bispo), “pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?” (1Tm3:1-7).

Qualquer que tenha sido os dom que os presbíteros receberam, eles o utilizavam da mesma maneira que todos faziam. O apóstolo Paulo ordena o seguinte: “Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino” (1 Tm 5:17). Daí desprende-se claramente que eles podiam governar bem, mesmo sem ocupar-se na Palavra e no ensino.

O significado de sua nomeação era apenas este: aqui se tratava de uma questão de autoridade, não de dom. Foi uma questão de intitular ou encarregar alguém para examinar, com freqüência, assuntos difíceis e delicados entre pessoas que não estavam dificilmente dispostas a submeterem-se a algo ‘meramente’ espiritual. A ministração do ‘dom’, não obstante, era uma questão totalmente diferente, livre, e para todos.

 

MINISTÉRIO VS. CLERICALISMO

 

Isso posto, de forma breve, é a doutrina bíblica. Nosso penoso dever, agora, é contrastar esta doutrina da Escritura com o sistema que estou desarticulando, no qual uma classe específica está formalmente ‘consagrada’ às coisas espirituais, enquanto o povo, os leigos, está, em contrapartida, excluídos desta ocupação. Este é o verdadeiro nicolaísmo: a sujeição do povo.

Novamente, não apenas digo que o ministério da Palavra de Deus é completamente legítimo, mas também que existem aqueles que possuem dons e responsabilidades específicas (mas não exclusivamente) para ministrá-la. Mas o ‘sacerdócio’, no sentido judaísta, nicolaíta, é outra coisa e é suficientemente distinto do ‘ministério’ para ser reconhecido facilmente onde quer que seja reivindicada ou exista de fato. Os protestantes em geral negam a atribuição de poder sacerdotal a seus ministros. Não tenho nenhum desejo ou intenção de desacreditar sua honestidade nesta negação. Eles querem dizer que não acreditam que seus ministros têm qualquer poder autoritário de absolvição, e que eles não fazem da mesa do Senhor um altar no que se renove, dia após dia (como na missa católica romana), a perfeição do oferecimento único e suficiente de Cristo, negada por inumeráveis repetições. Eles têm razão com respeito a ambas às coisas, mas esta não é a história completa. Se analisarmos mais profundamente, encontraremos que existe um caráter sacerdotal de muitas outras maneiras.

Podemos distinguir sacerdócio e ministério como segue: o ministério é para os homens, enquanto que o sacerdócio é para Deus. O que ministra traz a mensagem de Deus ao povo, falando, da parte de Deus, a eles. O sacerdote se dirige a Deus da parte do povo, falando no sentido inverso: da parte do povo, a Deus.

O louvor e as ações de graças são sacrifícios espirituais. Eles são parte de nossas oferendas como sacerdotes. Agora, ponha uma classe especial em um lugar onde eles só, de forma regular e oficial, atuem dando louvores e ações de graças, e virão a ser um sacerdócio intermediário, mediadores entre Deus e aqueles que não estão tão perto Dele.

A Ceia do Senhor é a mais completa e proeminente expressão pública da adoração e ação de graças cristã; mas, que ministro protestante ou pastor denominacional não o considera como seu direito e dever oficiais de administrá-la? A maioria dos «laicos» se abstém de administrá-la. Este é um dos terríveis males do sistema, pelo qual as massas cristãs são deste modo secularizadas (feitas mundanas). Ocupadas com coisas mundanas, pensam que não podem esperar ser espiritualmente como os clérigos. Deste modo, as massas são exoneradas das ocupações espirituais, para as quais crêem não reunir as mesmas condições que o clero.

Mas isto vai muito mais além. “Porque os lábios do sacerdote têm de guardar a sabedoria” (Malaquias 2:7). Mas como pode o laico (que tem chegado a ser tal por haver abandonado seu sacerdócio voluntariamente) ter a sabedoria pertencente a uma classe sacerdotal? A falta de espiritualidade à qual se tem desprezado a si mesmos não lhes permite conhecer as coisas espirituais. Assim, só a classe ocupada nas coisas espirituais vem a ser intérprete autorizada da Palavra de Deus. Deste modo, o clero vem a ser os olhos, ouvidos e boca espirituais dos laicos.

De qualquer maneira, esta organização convém à maioria das pessoas. O «clericalismo» não tem começado simplesmente porque uma classe de homens que quiseram dirigir assumiu o lugar de liderança. Esta miserável e anti-bíblica distinção entre clero e laicos nunca poderia ter ocorrido de maneira tão rápida e universal se não estivesse tão bem adaptada ao gosto daqueles a quem substituiu e degradou. No cristianismo, como em Israel, a profecia tem sido cumprida, “os profetas profetizam falsamente, e os sacerdotes dominam de mãos dadas com eles; e é o que deseja o meu povo.” (Jeremias 5:31). Ao sobrevir uma decadência espiritual, um que esta voltando ao mundo troca de boa vontade, como Esaú, sua primogenitura espiritual por uma mistura da sopa do mundo. Concede com gratidão sua necessidade de cuidar das coisas espirituais àqueles que aceitem esta responsabilidade.

Uma vez que a Igreja perdeu seu primeiro amor e o mundo começou a introduzir-se através das portas pobremente protegidas, se torna mais difícil para os cristãos tomar o bendito e maravilhoso lugar que lhes pertencia. Cada passo descendente só torna mais fácil os passos subseqüentes, até que, em menos de 300 anos desde o começo da Igreja, um sacerdócio judaico e uma religião ritualista foram praticados em quase todas as partes. Só os nomes das coisas preciosas do cristianismo foram deixados. A realidade dos privilégios especiais e cada cristão individual haviam desaparecido.

 

ORDENAÇÃO

 

Observemos com maior detalhe um traço característico desta clerezia ou clericalismo. Notamos a confusão entre o ministério e o sacerdócio; a atribuição de um título oficial não escriturário, para as coisas espirituais, para administrar a Ceia do Senhor e para batizar, etc. Agora tratarei sobre ênfase posta por este perverso sistema sobre a ordenação (isto é, nomeação ou reconhecimento oficial).

Quero que vejas o que significa ordenação. Primeiro, se consultarmos o Novo Testamento, não encontraremos nada acerca de uma ordem para ensinar ou pregar. Encontraremos pessoas que as fazem livremente, usando um dom que tenham. A Igreja inteira foi dispersa fora de Jerusalém (exceto os apóstolos) e estas pessoas foram por todas as partes pregando a Palavra. As perseguições não as ordenaram. Não há rastro de outra coisa. Timóteo recebeu um dom de profecia pela imposição das mãos de Paulo, em companhia dos anciãos (2.ª Timóteo 1:6; 1.ª Timóteo 4:14); mas aquela era a comunicação de um dom, não uma autorização para usá-lo! A Timóteo, então, se lhe ordena que comunique seu próprio conhecimento a homens de fé, que foram capazes também de ensinar a outros (2.ª Timóteo 2:2), mas não há nenhuma palavra acerca de ordená-los. O caso de Paulo e Barnabé em Antioquia (Atos 13:1-4) fracassa como sustento do propósito com que alguns o querem usar, porque (da maneira como se pretende usar) profetas e mestres estariam obrigados a ordenar ao próprio apóstolo Paulo, que recusa totalmente ser um apóstolo “dos homens ou por homem” (Gálatas 1:1). Ao contrário o Espírito Santo diz: “Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que (Eu) os tenho chamado” (Atos 13:2). Trata-se aqui simplesmente de uma missão especial que eles cumpriram (Atos 14:26).

O que significa ordenação nos círculos religiosos da atualidade? Pode você estar seguro de que significa muito; do contrario, os homens não contenderiam com tanto zelo por ele. Há duas formas de ordenação. Na forma mais extrema —como no caso dos católicos romanos e os ritualistas— à ordenação se refere a atribuição de conceder tanto autoridade como poder espiritual. Os líderes da igreja se adotam, com todo o poder dos apóstolos, a faculdade de subministrar o Espírito Santo mediante a imposição de suas mãos. Deste modo, as massas do povo de Deus são descartadas do sacerdócio que Ele mesmo lhes tem outorgado, e uma classe especial é colocada em seu lugar para intermediar por eles de uma maneira que anula o fruto da obra de Cristo e os ata à «igreja» como o único meio de achar graça.

Aqueles que aceitam uma forma mais moderada de ordenação, recusam reta e consistentemente essas pretensões anti-cristãs. Eles não pretendem conferir nenhum dom na ordenação, senão que só «reconhecem» o dom que Deus tem dado. Mas este «reconhecimento» é considerado necessário antes de que a pessoa possa batizar ou administrar a ceia do Senhor, coisas que não requerem nenhum dom especial em absoluto! Então, quanto ao ministério, o dom de Deus estaria obrigado a requerer a aprovação humana, e é «reconhecido» em nome de Seu povo por aqueles a quem se considera que tem um «discernimento» que os cristãos laicos não tem.

Cegos ou não, estes homens ordenados —o clero— vêm a ser os “guias dos cegos”, à vez que seus próprios corações são tirados do lugar de responsabilidade direta ante Deus e feitos indevidamente responsáveis ante o homem. Uma consciência artificial é feita para eles da parte daqueles que os ordenaram, e lhes são constantemente impostas condições as quais se tem que ajustar a fim de obter o reconhecimento requerido. Inclusive estes pastores ou ministros freqüentemente estão sob o controle de seus «ordenadores» no que respeita a sua senda de serviço.

Em princípio, tudo isto é infidelidade a Deus, porque se Deus me tem dado um dom a fim de que o use para Ele, eu seria certamente infiel se comparecer a algum homem ou a um grupo de homens com o fim de solicitar a sua permissão para usá-lo. O próprio dom acarreta a responsabilidade de usá-lo, como o temos visto. Se eles dizem que as pessoas podem cometer erros, eu estou de acordo, mas quem tem de assumir minha responsabilidade se estou equivocado? Além do mais, os erros cometidos por um «corpo ordenante» (ou «presbitério») são muito mais sérios que os de um indivíduo que meramente marcha sem haver sido enviado pelos homens, porque os erros do corpo ordenante são declarados sagrados e se prolongam no tempo pela ordenação que conferiu. Se a pessoa «ordenada» simplesmente se sustentasse por seus próprios méritos, encontraria rapidamente seu verdadeiro nível; mas o corpo ordenante tem investido sobre ele um caráter que deve ser mantido.

Equivocação por si mesmo ou não, ele é agora nada menos que um novo membro do corpo clerical, um ministro, mesmo quando não tenha realmente nada que ministrar. Ele deve ser mantido —deve ter sua «igreja»— por mais que esta se encontre em uma localidade pouco ilustre, onde as pessoas —tão amadas por Deus como qualquer uma— é posta sob seu cuidado e deve ficar sem se alimentar se ele não for capaz de alimentá-las.

Não me acuse de sarcástico. O que disse anteriormente é um fiel retrato do sistema do qual estou falando, sistema que envolve ao corpo de Cristo com vendas que impedem a livre circulação do sangue vivificante do ministério, que deveria estar fluindo de forma irrestrita através de todo o corpo. Aqueles que ordenam na atualidade devem provar que são ou apóstolos ou homens designados pelos apóstolos porque, segundo as Escrituras, nenhum outro tinha autoridade para ordenar (Atos 14:23; Tito 1:5). Aliás, devem provar que o «ancião» segundo as Escrituras pode não ser ancião de todo, senão um jovem, uma pessoa solteira, apenas saída de sua adolescência e que fora evangelista, pastor e mestre —todos dons de Deus envoltos em uma só pessoa—. Este é o ministro segundo o sistema: o tudo em todos para 50 ou 500 almas confiadas a ele como seu rebanho, no qual nenhum outro tem o direito de interferir. Seguramente a marca de «nicolaísmo», está posta sobre um sistema como este!

Mesmo quando o ministro esteja espiritualmente dotado (e muitos estão, como outros muitos não estão), é improvável que tenha todos os dons espirituais. Suponha-se que seja um verdadeiro evangelista e que as almas se salvem; ele pode não ser um mestre, e ver-se assim incapacitado para edificá-las na verdade. Ou talvez tenha o verdadeiro dom de Deus de mestre, mas é enviado a um lugar onde há tão somente uns poucos cristãos e muitos de sua congregação são não convertidos. Não há conversões, mas sua presença ali, por causa do sistema sob o qual está trabalhando, mantém afastado (em diversos graus) ao evangelista que se necessitaria ali. Damos graças a Deus que Ele sempre esteja desbaratando estes sistemas, e que as necessidades possam ser supridas de algum modo irregular. Entretanto, esta provisão humana não é conforme o plano de Deus e por ele divide ao invés de unir. O sistema é o responsável de tudo isto. O ministério exclusivo de um só homem, ou de um número específico de homens em uma congregação, não tem nas Escrituras o que o sustente. A ordenação é o esforço para limitar todo ministério a certa classe e faz descansar a este na autorização humana e não no dom divino. E assim se nega aos demais membros do corpo —o rebanho de Cristo— a capacidade aprovisionada por Deus para ouvir Sua voz e em seguida comunicá-la. O resultado é que se dá ao homem a atenção que deveria ser dada à Palavra que ele traz. A pergunta prevalecente é: Está autorizado? Relativo à verdade do que fala, com freqüência é secundaria se ele está ordenado; ou talvez, diria eu, sua ortodoxia (sua retidão doutrinal) está estabelecida já de antemão para eles pelo fato de ser ordenado.

O apóstolo Paulo não fora autorizado para ministrar conforme este plano. Houve apóstolos antes dele, mas ele não subiu a eles nem recebeu nada deles. Se houvesse uma «sucessão», ele a cortaria. Paulo fez o que fez, de propósito, para mostrar que seu evangelho não era segundo os homens, nem derivado deles (Gálatas 1:1) e que não descansava sobre a autoridade humana. Se ele mesmo ou um anjo do céu (cuja autoridade pareceria concludente) anunciasse um evangelho diferente do que havia pregado, a sentença solene de Paulo é: “seja anátema” (Gálatas 1:8-9).

Autoridade, então, não é nada, a menos que seja autoridade da Palavra de Deus. Esta é a prova: É isto conforme as Escrituras? “Acaso pode um cego guiar a outro cego? Não cairão ambos no buraco?” (Lucas 6:39). Dizer: «Eu não pude conhecer: confiei no outro», não o salvará do poço (o inferno para os não conversos, a pobreza espiritual e a perda da comunhão para os salvos), independentemente de quanta «autoridade» pretendeu ter o ministro que lhe guiou ao erro.

Mas, como pode pretender o não espiritual e não instruído «laico» ter um conhecimento igual ao do educado e acreditado ministro, dedicado às coisas espirituais? Em geral, não pode. Ao invés de segurar por si e para si a Palavra de Deus, usando o poder do Espírito Santo que mora Nele para aprender as coisas espirituais (João 14:26), ele se submete àquele que, segundo supõe, deve saber mais e melhor. Assim, pois, na prática, o ensinamento do ministro ou pastor substitui principalmente a autoridade da Palavra. Entretanto, ele mesmo não tem certeza quanto à verdade ministrada. O laico não pode ocultar-se a si mesmo o fato de que os ministros não estejam de acordo entre si por mais doutos, bons e acreditados que sejam.

Mas aqui o diabo intervém e sugere à pessoa incauta que a confusão é o resultado da imprecisão das Escrituras, quando na realidade é o resultado de fazer caso omisso das Escrituras. Opinião, não fé, há em todas as partes. Você tem direito a dar a sua opinião, mas deve conceder a outros o direito a ter a própria. Você pode dizer «eu creio» enquanto não quer dizer «eu sei». Reclamar «conhecimento» seria reclamar que você é mais sábio e melhor que as gerações precedentes, as que creram de forma diferente.

A infidelidade (incredulidade) consegue prosperar desta maneira, e Satanás se regozija quando consegue que os pensamentos de muitos vibrantes comentaristas substituem a simples e segura voz divina. O que você necessita é a “espada do Espírito, que é a Palavra de Deus” (Efésios 6:17). Crês tu que «assim disse João Calvino» ou «Martinho Lutero» ou qualquer outro homem, impactará tanto a Satanás como: “assim disse o Senhor”? Quem pode negar que tais pensamentos e práticas, estão em todas as partes e não restringidas unicamente aos católicos romanos e ritualistas? A tendência constante é a de desviar-se do Deus vivente, mesmo quando Ele está tão próximo dos seus hoje em dia como nunca antes na história da Igreja. Ele é, inclusive, tão capaz para instruir como sempre, e, todavia está disposto a cumprir a palavra: “O que quer fazer a vontade de Deus, conhecerá se a doutrina é de Deus” (João 7:17). Os «olhos» da fé são os olhos do coração (do afeto por Deus), não olhos da cabeça.

Deus tem ocultado dos sábios e entendidos o que revela às criaturas. A escola de Deus é mais efetiva que todos os seminários juntos, e nessa divina escola, laicos e clérigos podem ser iguais: “o espiritual julga (discerne) todas as coisas (1.ª Coríntios 2:15), pois tudo depende da condição espiritual individual. Não há substituto para a espiritualidade. O homem não pode gerar espiritualidade em outra pessoa mediante a ordenação nem mediante nenhum outro meio. Ordenação, em sua forma mais moderada, é o esforço do homem para realizar a manifestação do Espírito Santo. Mas se aqueles que ordenam cometem um erro (ou eles mesmos não são espirituais e, por ele, incapazes de julgar) e seu «ministro» não tem nada que ver com a obra de Deus, eles simplesmente provêem guias cegos para os cegos.

 

DISCUSÃO E SUMÁRIO

 

Deste modo, a santa Palavra de Deus sempre encomenda a si mesma ao coração e à consciência. O esforço de querer dar a Sua aprovação ao sacerdócio romano ou à hierarquia protestante, fracassa em ambos os casos por estar sobre o mesmo terreno do nicolaísmo. Não, o nicolaísmo não é coisa do passado, não é doutrina obscura de épocas passadas, senão um gigantesco e difundido sistema de erro, frutífero em resultados malignos. O erro, ainda que mortal, pode perdurar por muito tempo. Não vá atrás dele por causa de sua antigüidade ou porque todo o mundo o segue. O Senhor aborrece este perverso sistema clerical. Se Ele o aborrece. Deveríamos sentir medo de ter comunhão com Ele neste assunto? Todos nós devemos reconhecer que há bons homens envolvidos neste sistema: homens piedosos e verdadeiros ministros, que levam sem saber o emblema dos homens. Que Deus os livre! Que possam deixar de lado suas ataduras e serem livres! Que possam elevar-se à verdadeira dignidade de seu chamamento e serem responsáveis perante Deus, caminhando diante Dele somente!

Por outro lado, amados irmãos, é de grande importância que todos os integrantes de Seu povo, por diferente que seja seu lugar no Corpo de Cristo, estejam conscientes de que todos eles são ministros, assim como sacerdotes, sem exceção. Cada cristão tem deveres espirituais que emanam de suas relações espirituais com todos os demais cristãos. É o privilégio de cada cristão contribuir com sua participação ao tesouro comum dos dons espirituais com os quais Cristo tem dotado a seu Igreja. Um que não contribui com seu ministério, está retendo de fato o que é sua obrigação para com toda a família de Deus. Ninguém que possua sequer aparentemente um pequeno «talento», tem direito a enterrá-lo e não dobrá-lo. Tal ação é infidelidade e incredulidade.

“Mais bem-aventurado é dar que receber” (Atos 20:35). Irmãos, quando despertaremos à realidade destas palavras? Temos uma inesgotável fonte de regozijo, a qual é para benção, e se viermos a ela quando temos sede, rios de água viva correrão de nós. A fonte de águas vivas (a Palavra) não está limitada, para aquele que a recebe, pela quantidade que recebe dela. Ela é divina e, além disso, completamente nossa. Oh, conhecer mais desta plenitude e de toda a responsabilidade de sua possessão em um mundo espiritualmente seco e cansado! Oh, conhecer melhor a infinita graça que nos utiliza como o meio de transmitir aos homens! Quando estaremos em condições de entender nossa comum posição e doce realidade da comunhão verdadeira com Ele, aquele que “não veio para ser servido, mas para servir”? (Mateus 20:28). Oh, por um ministério não oficial! Que corações cheios transbordem dentro dos vazios para que muitos outros possam também estar cheios. Como deveria regozijar-nos —em um mundo de necessidade, miséria e pecado― o fato de encontrar constantes oportunidades para mostrar a capacidade da plenitude de Cristo para combater e ministrar a cada um das necessidades do mundo.

Para resumir, pois, podemos afirmar que o ministério oficial é independência prática do Espírito de Deus. Diz que um homem deve transbordar, mesmo quando estiver vazio; e, por outro lado, que outro não deve transbordar, mesmo se estiver cheio. Propõe, ante a presença do Espírito Santo —que veio na ausência de Cristo para ser o Guardião de seu povo— assegurar a ordem e o fortalecimento mediante legislação ao invés de fazê-lo mediante poder espiritual. Provoca que o rebanho de Cristo deixe de escutar Sua voz, fazendo algo não necessário para eles. Deste modo sanciona e perpetua a não-espiritualidade individual, em lugar de condená-la e de evitá-la.

No método de Deus para o tratamento da não espiritualidade, o fracasso humano pode tornar-se exteriormente mais evidente, pois Deus se interessa pouco em uma aparência exterior correta quando o coração não é reto para com Ele. Ele sabe que a habilidade para guardar uma correta aparência, com freqüência impede o juízo honesto, diante Dele, da verdadeira condição espiritual! Os homens repreenderiam a Pedro por sua tentativa de caminhar sobre aquelas ondas (Mateus 14:24-33), o qual evidenciou sua pouca fé. Entretanto, o Senhor só reprovou a pequenez da fé que o fez fracassar. O homem recomendaria o bote para o fracasso de Pedro em lugar do poder de sustentá-lo do Senhor, sustento que lhe fez provar a Pedro. De qualquer maneira, vento e ondas podem virar o bote, mas “o Senhor nas alturas é mais poderoso que o estrondo das muitas águas, mais que as fortes ondas do mar” (Salmo 93:4). Ao longo destes séculos de fracasso humano, alguém pode provar que Deus seja infiel? Amados, é vossa honesta convicção que é algo completamente seguro confiar no Deus vivente? Se é assim, então deixemos Deus trabalhar, por mais que devamos admitir que temos fracassado. Atuemos como se realmente confiássemos Nele.

 

Extraído do original em Inglês http://www.sermonindex.net/modules/articles/index.php?view=article&aid=16270

Traduzido para o Português pelos irmãos da cidade de Alegrete-RS, à partir da versão em espanhol www.verdadespreciosas.com.ar


 

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